Um bordado, como um texto, é trabalho vagaroso. Ponto por ponto, palavra por palavra, ambos exigem uma boa dose de paciência e uma certa disponibilidade para deixar-se levar por linha, traço, sentido, erraticamente, sem perguntar pelo fim, sem querer saber quando acaba. Um bordado, assim como um texto, é concreto na sua incompletude, concentrado no seu processo, na sua feitura.
A escritura, quando associada ao bordado e à costura, compartilha o lado de dentro da casa, espaço das mulheres, onde predominam as lógicas do dom e do silêncio: "Costurar, bordar, cozinhar, limpar, quantas maneiras metafóricas de dizer escrever. Já quase faz parte do senso comum comparar o texto a um tecido, a construção de um relato a uma costura, o modo de adjetivar um poema à ação de bordar", afirma a poeta argentina Tamara Kamenszain. Os trabalhos iniciais da artista plástica Nena Borba, tramas de fios sobre um finíssimo "voile" branco, quase transparente, certamente se inscrevem nesta linhagem, do sussurro e do segredo. Suas pequenas figuras bordadas e seus trajetos pontilhados, segmentados, equilibram-se e desequilibram-se, brancas ou pretas sobre um fundo branco, escrevendo um texto-textura sutil, flutuante, infraleve.
Não menos forte, entretanto, é o contraponto buscado mais recentemente pela artista brasileira. Ainda no interior da casa, como se recolhesse e juntasse fiapos de conversas, sobras dos rituais familiares, ela costura, em séries, saquinhos de chá. Se cabe às mulheres recolher o lixo e lavar a roupa suja, alguma coisa dessa sujeira nunca é totalmente eliminada. Assim, os saquinhos, pintados, de dentro para fora, por seu conteúdo, em variações escuras, de cinzas e verdes, ou claras, de vermelhos e rosas, tecem o desenho de uma outra versão da sutileza, feita de sangue, de borra, de poeira. Talvez, mais íntima.
Bordar e borrar seguem, portanto, nestes trabalhos, a mesma ordem, ainda que sejam ações hierarquicamente distinguidas: parece haver mais dignidade em limpar que em sujar, em produzir arabescos sobre um tecido que em mesclar os restos descartáveis da convivência. Umas se exibem ao mundo; outras são, deliberadamente, ocultadas. Mas, diria Georges Bataille, uma referência crucial em Nena Borba, a festa e a guerra são as duas versões de um mesmo excesso. E ambas deixam rastros, acumulam lixo, potencializam ausências, produzem manchas.
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(Série iniciada em 2002 com o Salão Helke Hering) |
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