Leitores
Mal os percebemos os que nos leem.
Noturnos em suas camas sozinhas, claros ao sol dos parques,
curvos nas bibliotecas de Babel e da Conchinchina, nos
reinventam os sonetos desesperados, redizem o dizer já dito,
mas com tal tamanha invenção que incendeiam, ah como
incendeiam, os textos exangues - de heroica desesperança.
Não importa se de enlevo a tua cara branca no vidro da
janela; ainda és, mesmo assim, a intangével margem dos
livros fátuos, e os parágrafos mortos de medo.
Trêmulo me agarro a um decassílabo perfeito. Tonto de
ternura, as mãos insones, vos adivinho e a vós me dedico com
um luxo que decididamente não é meu nem me pertence.
Animal de pequeno porte, uivo.
Examino a lombada dos livros eternos, gravadas a ouro e
cristal; você cochicha na sala a canção que um dia foi minha.
És assim, a reescrever o duas vezes lido porque escrito; o
reescrito porque ainda outravez lido.
E é de amor, sim, de indecifrável amor, o nosso enlace.
Wilson Bueno [1949-2010]
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