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28 de maio de 2015


Li o poema abaixo,  de Seamus Heaney, no facebook da poeta Josely Vianna Baptistas, que o traduziu com o artista Francisco Faria, conforme ela mesma esclarece. Resolvi postar pela beleza e profundidade do poema que tocou-me profundamente...

Josely: Adoro este poema de Seamus Heaney. Ele nasceu na Irlanda do Norte em abril de 1939 e se criou numa fazenda. Em 1996 ganhou o prêmio Nobel de Literatura. Foi para o Céu Incógnito em 30 de agosto de 2013. Neste poema, que traduzi com Francisco Faria, ele compara a pá com que seu avô e seu pai trabalhavam à “pena” que ele usava para escrever (ou “cavar”...):




Cavando
Repousa entre meus dedos
uma pequena pena; firme como uma arma.
Sob a janela, um som áspero e claro
quando a pá se aprofunda entre terra e cascalho.
Vejo o pai, cavoucando. E lá embaixo
seu dorso retesado entre os regos de flores
ainda se dobra, e rebrota de remotos vinte anos,
debruçando-se ritmado entre as leiras de batata
que ele estava lavrando.
As botas toscas se amolgando no bordo, o cabo
firmemente apoiado contra o joelho.
Ele arrancou tubérculos maduros, enterrou fundo o gume
reluzente para semear novas batatas que colhíamos
apreciando o frio rigor do fruto entre as mãos.
Como o velho sabia usar aquela pá!
Tal e qual o seu velho.
Meu avô corta mais turfas num dia
que qualquer outro homem no brejo de Toner.
Uma vez levei leite pra ele numa garrafa
com uma rolha frouxa de papel no gargalo. Ele se aprumava
pra tomá-lo e já se vergava novamente
talhando e retalhando com apuro, atirando torrões
por sobre os ombros, e descendo e indo fundo
em busca de boa turfa. Cavando.
O frio olor do húmus das batatas, o estalo e o chafurdar
das turfas encharcadas, os repentinos cortes de um gume
entre as raízes vivas que me afloram à memória.
Não tenho pá para seguir os passos de homens como esses.
Repousa entre meus dedos
uma pequena pena.
E com ela eu vou fundo.

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